quarta-feira, 23 de junho de 2010

A alma boa de Setsuan


Tive o prazer de ir na segunda-feira, dia 21, ao espetáculo de meu querido Bertold Brecht (meu escritor favorito, independente de estar fazendo uma peça dele), com um elenco mara, como Denise Fraga, apresentando “A Alma Boa de Setsuan”*. Este foi o primeiro texto de Bertold Brecht encenado profissionalmente no Brasil.

Não é a toa que admiro o Brecht. Ele é um dos poucos que não deixam a plateia entrar em catarse, faz com que todos saiam refletindo sobre seus defeitos e suas situações reais.

A peça conta a estória de uma prostituta de coração bom. Ela consegue mudar de vida devido à ajuda de Deus e compra uma tabacaria. Como ajudava a todos, é explorada por todos os que ferraram sua vida e resolve virar outra pessoa, um primo fictício, com personalidade diferente, para tentar barrar esses exploradores.

É o que acontece na nossa vida. Quem já não ouviu falar que quem ajuda sempre se fode? É claro que tem toda aquela ideologia de que ‘tudo será creditado em nossa cadernetinha divina’, e acredito realmente nisso, mas às vezes é muito difícil não se rebelar com esses ‘seresumanus’ que se aproveitam dessa crença.

Um antigo chefe meu uma vez me puniu por ter atendido prontamente a um cliente, alegando que quando eu não pudesse atendê-lo, ele não aceitaria. Na hora me revoltei. Acreditei que meu chefe era um péssimo administrador. Passou-se duas semanas o cliente voltou. Batata! Ainda protocolizou uma reclamação no PROCON por meu mau atendimento. Assim, comecei a acreditar.

Há um tempo, no meu trampo, comecei a executar tarefas que não eram do meu setor. Queria ‘vestir a camisa’ da empresa e comecei a ajudar a todos. Até que todos começaram a contar muito com a minha ajuda. Eis que um dia ouço a pérola: ‘Não vou fazer tal coisa, pois sei que a idiota da balzak fará mesmo’. Larguei mão.

Mas como os bebês não aprendem a andar com o segundo tombo, entrei em outra emboscada com mais quatro pessoas, onde apenas eu e outro idiota trabalhava para o restante ganhar.

Me sentindo cretina outra vez e lembrando as sábias palavras de meu ex-chefe, resolvi sair do lance. O que aconteceu? Pasmem! Fui ameaçada de ter que devolver todo o dinheiro recebido, embora tenha trabalhado para isso.

É muito difícil acreditar em nosso crédito no céu, quando não temos um extrato mensal. Não sou espírito de luz para dar a outra face, sem um asqueroso palavrão que, comprovadamente, alivia a dor.

Será que teremos que vestir uma ‘máscara do mal’ para poder conviver com as pessoas, sem ser sacaneadas por elas, vestidas com ‘máscaras do bem’?

Será que temos que ter um critério mais rigoroso ao escolher a quem ajudar, sendo esses sacanas os que mais precisam de ajuda?

E quem ajuda os que ajudam?

É como dizem: amar o mocinho é fácil, foda é amar o bandido.

Então, me ajudem bandidos, pois tá tenso continuar a lhes dar a mãozinha aberta. Uma delas mesmo está louquinha para se fechar num soco grandão.

“Enquanto todo mundo espera a cura do mal, minha loucura finge que tudo é normal. Eu finjo ter paciência”. (Lenine)

Balzaks

* Peça apresentada no EnCena (Jacarezinho - PR). Informações no blog: http://curtaourinhos.blogspot.com/. A programação tá MARA.

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