segunda-feira, 27 de julho de 2009

O curioso caso de Maria Audenete


Quem assistiu o (ótimo) filme “O curioso caso de Benjamim Buton” viu que, nas primeiras cenas, o protagonista aparece bebê com a estranha aparência de idoso. E vai aos poucos ficando cada dia mais jovem, ao se tornar adulto. Até morrer como um bebezinho.
Por incrível que pareça, aqui no Brasil existe um “curioso caso” quase assim. Trata-se de Maria Audenete, nascida nos confins do Ceará, em um sítio paupérrimo a quilômetros da civilização. Ao nascer, a família, pobre e desinformada, não submeteu a menina ao teste do pezinho, e não se detectou uma disfunção rara da glândula tireóide, que se agravou com o tempo. Hoje Audenete tem 28 anos e o tamanho, corpo e aparência de um bebê.
Sim, um bebê de 28 anos! Audenete tem a minha idade. E eu fiquei pensando: que destino triste essa pessoa foi ter! 28 anos de vida sem brincar na rua e voltar com os joelhos ralados, sem brigar com o irmão porque quebrou a boneca mais bonita, sem colar escondido da professora na escola, sem se pendurar no telefone com as amigas, sem dar o primeiro beijo atrás de algum muro, sem se apaixonar pelo vizinho mais velho, sem ter a primeira grande decepção amorosa, sem aquele porre memorável, sem experimentar o primeiro cigarro, sem ir ao salão de beleza fofocar com a manicure, sem achar que ia mudar o mundo no primeiro ano de faculdade, sem se apaixonar outras inúmeras vezes e descobrir que homem é tudo idiota, sem fazer sexo ruim, sem fazer sexo bom, sem fazer chapinha, sem dançar na balada até as seis da manhã, sem aturar o chefe mala, sem bater o carro no portão, sem o churrasco de domingo com os amigos, enfim, sem um monte de coisas que fazem a vida de uma semi-balzack ser o que ela é.
Todas as reportagens que falam sobre a Audenete têm aquela tristeza mórbida dos programas da tarde. Falam muito da doença da moça, que é sempre citada como uma “menina”. Os repórteres vão até a casa pobrezinha dela, mostram a triste condição da família, dizem que eles têm muito pouco pra comer, perguntam para os pais dela como é o cotidiano da família, mas deixam o mais importante de lado. A sua mãe, uma cabocla triste, trata a filha com amor de mãe, como tem que ser. Carrega ela no colo, passeia com ela segurando sua mãozinha, e diz que a “Nete” não gosta de crianças, mas adora dançar forró. E a câmera mostra a sorridente bebê de 28 anos ensaiando uns passinhos ao som da música local.
Mas todo mundo esqueceu de perguntar à própria Audenete o que ela sente. Como é ser uma mulher de 28 anos presa num corpinho de criança... pra sempre. Será que ela gosta mesmo daquele monte de gente estranha da TV que enche a mãe dela de perguntas, mas não ousa chegar muito perto dela nem pra saber como foi seu dia? Aliás, será que a Audenete sabe falar? Será que ensinaram ela a escrever?
Audenete deve estar possessa, muito “arretada”, como eles dizem por lá. Por causa de uma gotinha de sangue que deveria ter sido colhida por um médico, que nunca chegou nem perto de onde ela nasceu, ela foi fadada a virar a protagonista de um circo dos horrores, virou os que os insensíveis chamam de “aberração”. Mas ela é só mais uma mulher. Só mais uma balzak. Só que bem pequenininha.

Angels

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